O Célio combinava 3 coisas que o colocavam como underdog da vida: negro (em portugal), de origens muito humildes e homossexual. Junta-se-lhe outro estigma agora, o da doença mental. Todas estas coisas revelou numa simplicidade desarmante. O percurso de vida feito de uma luta extrema: aluno aplicado, atleta de topo, modelo. O discurso e a sua escrita é extremamente lúcido. E não digo que é articulado e lúcido para alguém com um distúrbio em tom condescendente: digo que é articulado e lúcido comparado com 99.9% das pessoas a falar para estranhos sobre si própria. Aborda temas como as lutas pessoais, as ambições, a forma como nos projectamos na sociedade, as máscaras que temos, a hipocrisia, as adversidades, a derrota, os projectos de responsabilidade social etc. Quando ouvi a história na primeira pessoa só pensei que era incrível se todos a conhecessem e fico feliz por ter dado a entrevista (no jornal Record).depois das revoluções (ainda em curso) das questões raciais e das de igualdade de género, é esta que espero: o combate ao estigma das doenças mentais. do cardápio disponível, coube-me ter uma (basta dizer que tenho uma doença mental, sem querer dizer qual porque ainda não é a mesma coisa dizer que tenho diabetes e eu não sou assim tão corajosa como o Célio).
estou medicada para amortecer os sintomas. podia estar menos medicada se conseguisse ter um estilo de vida mais saudável, como por ex. fazer exercício físico à séria. podia estar mais medicada se não levasse isto a sério, procurado ajuda especializada, fazer psicoterapia e perceber que ainda que seja uma luta constante já não é o que me define os dias.
tive sorte. apesar de tudo a minha doença é uma menina, mesmo que pouco meiga, é uma menina. conheço os seus familiares mais velhos, duros e incapacitantes. sei que o limiar de uma coisa maior é assustadoramente ténue, daí o respect, my little girl.
passaram-se mais de vinte anos desde que tive os primeiros sintomas (do que me lembro) até ser diagnosticada. o dia em que soube foi de enorme alívio: havia algo em concreto que pudesse perceber e trabalhar. deixando para trás uma sucessão de episódios infelizes, severos e violentos, que não compreendia e não sabia como lidar.
por ora é mais fácil escrever por aqui, com um público de seis leitores. creio que nunca chegará o dia em que fale abertamente disto (como outros falam dos seus diabetes, das suas cardiopatias, da osteoporose, de uma dor de dentes). hélas, duplicam o seu peso: na mente e na sociedade, com batalhas em ambas.
Eu comecei por idealizar a doença e glorificar o trabalho feito segundo a sua influência, depois a doença apanhou-me, os médicos disserem o que eu tinha e eu não acreditei, pensei que era tudo uma construção mental, fechei-me atrás do muro e piorei, relapsei.
ResponderEliminarfoi só quando aceitei, que independentemente do ou de quem causou, que estava doente é que comecei a melhorar, pensei: se eu induzi uma doença em mim, posso também fazer o percurso inverso e deixei-me ser ajudado.
o futuro não sei,
mas para quem já tomou 20 comprimidos por dia e agora só toma 2, estou bem e sinto-me em forma!
feliidades Rita :)
já tive a minha quota de dias com vontade de mandar tudo às urtigas, comprimidos incluindo. no entanto, o receio de voltar a dias tão duros é tão grande que me fazem querer continuar. e melhorar :)
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Seremos sempre uns seres com «a mais» ou «a menos» do que o «normal». Muitas vezes, o que foge à regra, é tido erroneamente por doença.
ResponderEliminarpor acaso acho o contrário. o fora da norma - a que suponho que te refiras - é demasiado (ainda) visto como uma loucura ou falta de vontades, quando na realidade são doenças. sérias.
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