Não posso continuar a viver assim.
Não há remédio. Nunca mais me hei-de recompor.
A morte é a única saída.
Já não posso ver nenhum homem, fico perturbada, agoniada.
Ninguém me deve lamentar, porque afinal eu é que sou a culpada de todo o problema.

[ Júlia C. dissera à sua amiga que ter de reviver os momentos da violação era, para ela, "o pior de tudo". ]


— Vou-me embora. Cartas de suicidas, de Udo Grashoff @ malomil.blogspot.pt



recordo-me de há uns tempos ter lido uma notícia acerca de um pai que teria assassinado o homem que violou a filha, para que esta não tivesse de passar pelo processo de voltar a descrever o que tinha sucedido. talvez em parte tenha sido, talvez também a justiça pelas próprias mão. não faço ideia e nem me recordo de todos os pormenores. ainda que os recordasse pouco mais serviriam do que para uma possível análise de psicóloga de bancada péssima.

numa relação causa-efeito compreendo ambas situações. como não compreender? a estas poderia juntar as inúmeras histórias de sobrevivência ou desistência provocadas por diferentes motivos. dos extremos e dos que sobrevivem, dos aparentes pequenos e dos que desistem. tenho a minha própria história e fartei-me de a contar.

da minha última sessão de psicoterapia, ao fim de uma hora de conversa, aquilo que se manteve na minha mente reiteradamente foi a mudança de paradigma - o meu, intrincado e ramificado -, deixar de ser vítima, deixar de viver como vítima. no preciso momento em que me foi dito, entendi-o. não respondi. não comentei. não era necessário. fez imediatamente todo o sentido. sem retirar a importância dos acontecimentos, do que fica, do que ainda se mantém, reposicionar-me. confesso que surgiram ainda mais vazios e alguma desorientação na mudança de pele, está longe de ainda ser confortável mas estou convicta que este seja um melhor modo de estar. a outra é ir morrendo aos poucos. já morri tempo demais.

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